Ao usar a tecnologia para monitorização da complacência intracraniana pela primeira vez na UTI da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, mudei a conduta adotada em relação a um paciente em pós-operatório, o que permitiu a sua plena recuperação
Salomon Rojas*
em depoimento à jornalista Camila Galvez, da agência essense
Seis da manhã: enquanto muitos ainda estão lutando contra o despertador, esse é o horário que costumo chegar para o trabalho na BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, uma das mais importantes instituições de Saúde do País. Sou médico na casa há quase 34 anos, sempre na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Foi essa a instituição que me acolheu – e que, inclusive, me serviu de lar por três anos – quando cheguei do Peru, onde nasci, para fazer residência médica em cirurgia cardiovascular (1986).
Eram exatas seis horas da manhã quando, em 2018, cuidava do pós-operatório imediato de um paciente submetido a troca de aorta ascendente por endocardite em tubo valvulado. Em seu histórico havia uma cirurgia de dissecção aórtica do tipo A, realizada há nove anos. Apesar de diversas medidas de proteção cerebral adotadas durante o ato operatório, entre elas a hipotermia moderada (resfriamento lento e gradual do indivíduo até 28°C), ele acabou por convulsionar.
Um ano antes dessa manhã que não começava bem, conheci a solução da brain4care em uma apresentação feita pelo Gustavo Frigieri na própria BP. Eu já era o coordenador da UTI e fiquei animado com o potencial da tecnologia – afinal, sempre fui um entusiasta de inovações que me ajudam a devolver a saúde aos meus pacientes neurocríticos. No ano seguinte, decidimos colocar o equipamento em testes na nossa UTI. Aliás, o mais curioso é que o Gustavo havia deixado o dispositivo comigo pouco antes do meu paciente convulsionar. Então, não tive dúvidas: iniciei a monitorização da sua complacência intracraniana.
Em pouco tempo, percebi que a curva P2 estava maior que a P1, resultado que, naquele caso, demonstrava um efeito colateral típico desse tipo de cirurgia: sangramento. Nesse contexto, seria fundamental manter níveis pressóricos sistêmicos elevados para garantir a adequada pressão de perfusão cerebral. No entanto, como elevar a PA de um paciente em pós operatório imediato de cirurgia cardíaca com elevado potencial de sangramento? Eu e minha equipe estávamos diante de um paradoxo.
Decidimos, então, tomar todas as medidas de primeira linha previstas em casos de hipertensão intracraniana: controlamos a temperatura, mantivemos o decúbito elevado a 30°, sedamos o paciente e elevamos ligeiramente a pressão sistólica para 140 mmHg. Após tais medidas, a curva foi melhorando até que o paciente deixou de apresentar convulsões.
A pergunta que muitos podem se fazer ao ouvir essa história é: e se eu não tivesse o dispositivo para monitorizar o paciente naquele momento? Bom, eu iria manter a pressão sistólica sistêmica em 120 mmHg, como manda o protocolo de pós-operatório da cirurgia cardíaca, e tratar as crises convulsivas – que poderiam causar sequelas. Afinal, transportar um paciente nessas condições críticas para realizar uma tomografia é inviável.
Mas o equipamento estava lá. E, desde então, vem sendo utilizado em inúmeros casos na nossa UTI, com resultados de sucesso semelhantes.
E quanto ao meu paciente? Bem, eu tenho informações atualizadas de que segue bem e saudável, pois ainda mantemos contato recorrente fora do hospital.
Cercado pelas paredes assépticas e muitas vezes impessoais da UTI, devolvi a saúde a esse homem, com o apoio da tecnologia e de minha equipe. Mas não foi uma via de mão única. Em troca, eu ganhei um amigo.
*Salomon Rojas é especialista em Terapia Intensiva pela AMIB (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), coordenador nacional do CITIN (Curso de Imersão em Terapia Intensiva Neurológica), coordenador da Unidade de Terapia Intensiva da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, mestre em cirurgia pela UNICAMP (Universidade de Campinas) e Doutor em Cirurgia cardiovascular pela FAMERP (Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto).